Comentário ao Evangelho – Sábado 28/12/2019

Santos Inocentes – ANO A

Mt 2,13-18

Por Dom Julio Endi Akamine SAC

Três dias depois do Natal a festa dos Santos Inocentes produz em nós uma surpresa dolorosa. Depois de tanta alegria, depois de tanta doçura, ouvimos a narração da matança dos inocentes.

Herodes, enfurecido porque não conseguiu as informações dos reis magos, resolveu mandar matar todos os meninos menores de dois anos em Belém e seus arredores. Essa matança é a expressão mais repulsiva da crueldade e da ambição pelo poder de Herodes.

Sabemos por fontes não bíblicas que Herodes foi um déspota que viveu assombrado pelo medo de perder o poder. Ele raciocinava apenas segundo as categorias do poder e suspeitava de todos. Sua suspeita era tão doentia que no ano 7 a.C ele mandou matar seus filhos Alexandre e Aristóbulo. Três anos depois eliminou mais um filho, Antípatro, também por se sentir ameaçado por ele.

Em contraste com as canções natalinas, hoje ouvimos o grito, o lamento, o choro de Raquel. Ela chora os filhos mortos. Seu lamento é inconsolável. Ela mesma não quer ser consolada, porque seus filhos não existem mais.

O clamor da mãe desolada é como um grito dirigido a Deus. Mesmo que não queira ser consolada, a desolação da mãe é um pedido de consolação que não pode ser dada a não ser por Deus. De fato, a única consolação da mãe é a vida dos filhos. Somente a ressurreição pode superar a injustiça e revogar a constatação amarga dos filhos que já não existem.

Por que celebrar os Santos inocentes na oitava do natal?

Natal é certamente uma bonita festa que nos faz contemplar o recém-nascido do presépio, nos faz tomar consciência do dom que Deus nos faz de Si mesmo, de seu amor pela humanidade.

A festa dos Santos inocentes, porém, não quebra o clima natalino. Pelo contrário nos faz tomar consciência da seriedade do Natal de Jesus. O menino nascido em Belém é a luz do mundo, mas as trevas imediatamente se opõem e não querem ser iluminadas por essa luz.

A festa de hoje nos mostra essa luta, luta entre a luz e as trevas. Jesus veio para vencer as trevas, mas sua vitória passa pelo sofrimento.

A festa de hoje nos adverte: hoje começa a se realizar a salvação e a nossa primeira atitude é a que reconhecer que precisamos da salvação. Não precisamos fingir ser grandes pecadores, se não o somos. Mas devemos confessar que em nós estão presentes as raízes do pecado, o egoísmo que nos faz insensíveis ao sofrimento alheio, que faz ver o outro como adversário a ser eliminado.

Nós temos a necessidade da Luz do Salvador para ver que Herodes ainda está vivo em nós, e que precisamos do amor do Salvador para vencer o pecado.

Também nós podemos estar do lado de Herodes. Podemos também nós agir como Herodes. Herodes está vivo. Ele não vive só nos outros. Vive em nós.

Ele está vivo quando o egoísmo se desenvolve socialmente, quer nas muitas formas de corrupção que se difunde de maneira capilar, quer na formação de organizações criminosas que ferem a dignidade da pessoa. Estas organizações ofendem gravemente a Deus, prejudicam os irmãos e lesam a criação, revestindo-se duma gravidade ainda maior se têm conotações religiosas.

Herodes está vivo no drama dilacerante da droga com a qual se lucra desafiando leis morais e civis; Herodes vive na devastação dos recursos naturais e na poluição em curso, na indiferença e na insensibilidade pelas vítimas indefesas das guerras esquecidas.

Herodes prolonga sua colheita de inocentes na tragédia da exploração do trabalho, nos tráficos ilícitos de dinheiro como também na especulação financeira que assume características nocivas para os sistemas econômicos e sociais, lançando na pobreza milhões de homens e mulheres.

Herodes continua sua obra de morte na prostituição que diariamente ceifa vítimas inocentes, sobretudo entre os mais jovens, roubando-lhes o futuro; Herodes prossegue seu extermínio no abominável tráfico de seres humanos, nos crimes e abusos contra menores.

Herodes perdura na escravidão que ainda espalha o seu horror em muitas partes do mundo, na tragédia frequentemente ignorada dos emigrantes sobre quem se especula indignamente na ilegalidade.

Herodes pode se converter?

Ainda temos tempo. Nós podemos nos converter. É essa a mensagem do Natal: o pecador não se deve jamais desesperar da possibilidade de mudar de vida. O Natal proclama uma mensagem de confiança para todos, mesmo para aqueles que cometeram crimes hediondos, porque Deus não quer a morte do pecador, mas que se converta e viva (cf. Ez 18, 23).

Que a festa dos Santos inocentes nos faça acolher o Salvador. Dele temos necessidade absoluta para que Herodes não continue sua matança.

 

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