Bispos Comunistas

Há muito tempo – talvez tempo demais – pululam na internet insinuações e acusações de que há bispos comunistas no Brasil. Penso que chegou o momento de afirmar com clareza que isso é uma tremenda besteira. Não recebi delegação para fazer a defesa de quem quer que seja. Nem sei se os argumentos apresentados irão convencer os super-católicos mais católicos do que o Papa que se julgam investidos com o poder de purificar a CNBB de infiltrações vermelhas a serviço de Satanás.

Por isso, prefiro apresentar minha experiência como membro da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) há 9 anos.

A CNBB é formada por bispos com uma grande variedade de posições religiosas e políticas. Nela há também grupos diferentes que se identificam com correntes teológicas diversas, que apoiam políticas diferentes e até mesmo partidos políticos distintos. E isso não é negativo. Pelo contrário, é muito positivo. Afinal, a Igreja Católica não é uma seita. É próprio da seita o pensamento único, a teologia uniforme, a prática política de cabresto. Por isso, a alternativa para o pluralismo da CNBB não é a Igreja Católica, mas a seita de pensamento, prática e política uniformes. A Igreja é católica exatamente porque é una sem ser uniforme.

Entristecem-me os que aceitam a proposta dos profetas de desgraças que querem uma igreja mais parecida com o Partido Comunista que expurga os que se desviam da “sã doutrina”. A história já teve regimes totalitaristas demais. Infelizmente, há pessoas que desejam a volta do totalitarismo envernizado de pureza católica.

É verdade que o pluralismo provoca no episcopado brasileiro tensões e também conflitos. Tive a oportunidade de participar de sessões da Assembleia da CNBB em que o debate foi cerrado, a discussão tensa e o diálogo muito difícil. Graças a Deus, a CNBB é tão plural e diversificada! Dessa forma ela é obrigada – quase condenada – a buscar no diálogo as ações mais acertadas e a se empenhar na leitura dos sinais da ação de Deus na nossa história tão complicada quanto confusa. Posso testemunhar que, mesmo expressando posições diferentes, eu e todos os que fazem seus pronunciamentos somos acolhidos com respeito e com verdade.

Outra coisa que aprendi com os bispos com cujas posições nem sempre concordei é que o diálogo nunca significa renunciar às próprias convicções. Para dialogar, nenhum bispo pede ao outro que abdique de suas convicções (também as políticas). Pelo contrário, todos desejam que as posições sejam claras e que a partir delas o diálogo se enriqueça e proceda para uma convergência. Se o consenso não é possível, o diálogo deve continuar até que as posições se encontrem.

Quando as divergências entre os bispos se tornam públicas, há também os que se regozijam com a divisão da CNBB, a sua ruína e esfacelamento. Mais uma vez, preciso dizer que isso é a mais pura bobagem. As diferenças políticas dos bispos em relação ao PT não levaram à divisão da CNBB nem da Igreja, e não serão as diferentes posições políticas em relação ao atual governo que vão provocar a divisão da Igreja Católica. O PT passou, e o atual governo também vai passar. A Igreja continua.

Alguns podem se lamentar pelo fato de a Igreja não ser uma organização monolítica e perfeitamente alinhada em todas as suas posições. Eles até acreditam que isso existia no passado, antes do Concílio Vaticano II. O que os saudosistas sem causa não compreendem é que essa uniformidade nunca existiu exatamente porque ela não é a unidade que o Espírito Santo forma na Igreja. Basta estudar um pouco o Novo Testamento para se dar conta de que um sadio pluralismo na Igreja sempre existiu (cf. At 6,1-6; 11,1-3; 15,1-2; 1Cor 12,4-31; Gl 2,11-14). O Espírito continuamente está conduzindo a pluralidade para a unidade e disseminando a unidade na pluralidade.

Se alguém quiser uma igreja segundo o modelo da uniformidade que funde uma: basta ir ao cartório e registrar um CNPJ! Mas isso também não é novidade: alguns já o fizeram e não apresentaram uma alternativa que valesse a pena.

Compartilhe: